Realidade - Os personagens ganham vida nas mãos dos atores e impressionam os angrenses, que assistiram ao espetáculo.
E a arte imita a vida... a morte e ressurreição. Foi assim que a noite de sábado trouxe para a população de Angra a história mais importante da humanidade: os últimos dia de Jesus Cristo na terra. A encenação do Auto da Paixão de Cristo lotou o Cais de Santa Luzia com milhares de pessoas que, ao mesmo tempo em que derramavam lágrimas, aplaudiam a atuação dos personagens que parecem ter pulado das páginas do livro sagrado.
DE OLHO - Os diretores ficam atentos ao espetáculo.
Por: Letícia Armond
foto: Ginaldo e Mariozinho
- Lindo! Nunca tinha assistido essa história de perto, parece que tudo ganhou vida. "Tudo o que eu lí na Bíblia estava alí, na minha frente", disse a angrense Viviane Dias que assistia a tudo com muita emoção.
A ênfase da peça foi o julgamento de Jesus, parte que o diretor Ginaldo de Souza mais gosta, devido à disputa de política e poder e a traição de um povo. No espetáculo, as pessoas viram que os mesmos que aplaudiram Jesus, quando entrou em Jerusalém como rei, o condenaram. "Essa situação está acontecendo hoje. As pessoas estão sendo mortas nas ruas sem que nada pese contra elas. É bala perdida, é assalto. Continua acontecendo essa maluquice de matar uma pessoa sem ter nada contra essa pessoa", disse Ginaldo.
O espetáculo, que já se realiza desde 1984, tem sempre uma novidade e é modificado a cada ano. Nesta edição, Ginaldo acrescentou uma cena onde os atores se reportaram ao povo de Angra, despertando-o para a possibilidade de estar assistindo à morte de uma pessoa que poderia ser real.
Quanto ao trabalho com os atores da cidade, o diretor disse estar muito satisfeito e destacou a euforia dos mesmos nos ensaios e gravações da trilha sonora: "chegar lá e dar de cara com atores como Milton Gonçalves, que tem 45 anos de carreira e uma experiência louca de rua, foi o máximo para todos eles". A atuação com trilha sonora foi uma novidade para os atores angrenses. Além da preocupação com o texto, para sir tudo direitinho, os atores também tinham que respeitar o tempo certo das falas, para que a dublagem saisse perfeita. "É uma preocupação a mais", disse o ator angrense João Novaes, que fez o papel de um sacerdote. Ele também mostrou satisfação ao trabalhar com os diretores Ginaldo e Mariozinho Telles declarandoter sido sensacional ter sido dirigido por eles. "Aproveitei cada minuto, cada palavra, cada conselho. Tivemos aula de interpretação com eles nesse pouco espaço de tempo", afirmou João.
Outro ator que só tem a agradecer à oportunidade de estar contracenando com atores consagrados e aprendendo com gente grande é Henrique Dayer, que interpretou o chefe dos guardas e contracenou com Milton Gonçalves (Pilatos) e Jitman Vibranóvski (Jesus). Foi o seu personagem quem flagelou Jesus no cumprimento das ordens de Pilatos. "Eu vou ser odiado pela população da cidade por um bom tempo", brincou Henrique, que acrescentou ter sido muito bacana viver uma história que nunca viu, só leu, e ainda teceu elogios ao ator Jitman.
E por falar no ator que faz o papel principal há 22 anos, uma pergunta não poderia deixar de ser feita: Como é representar Jesus Cristo? "(risos) Sempre me perguntam isso e eu ainda me embaraço para reponder. Mas posso dizer que é muito emocionante pelos aspectos de fé, que é uma coisa benéfica, e pelo aspecto teatral, que é fantástico. Uma peça feita para 10, 20 mil pessoas... é muito forte e significante fazer isso", declamou Jitman.
Um diretor 'frenético'
No Auto da Paixão de Cristo uma figura muito querida chama a atenção dos atores. É Mariozinho Telles, segundo diretor da peça que lida diretamente com a trupe. Ele foi responsável por trazer o Auto pra cá. Foi num papo com o secretário de Cultura, Esporte e Eventos para apresentar um projeto de teatro para a cidade que, papo vai, papo vem, o que Mariozinho conseguiu trazer mesmo (para a sorte dos angrenses) foi o Auto da Paixão de Cristo. Mas o projeto do teatro também vai ter sua hora e o seu lugar.
O Teatro de Roda despertou o interesse do secretário Marcus Veníssius Barbosa por ter uma leitura que leva para as comunidades uma discussão social. Ele não deixou passar a oportunidade e já fez planos: "O Mariozinho vai participar da Fita (Festival de Teatro de Angra dos Reis) com oficinas de teatro e logo após este evento, o projeto Teatro de Roda vai fazer parte tanto da minha secretaria quanto da Educação e Ação Social". Mariozinho explicou que o projeto tem uma linguagem cênica interativa, e através de cantigas, brincadeiras de roda e ciranda, trabalha temas que envolvem a família, como sexualidade, educação, drogas, violência, entre outros.
A preocupação de Veníssius é fazer um trabalho diferenciado e por isso se preocupa com a qualidade dos eventos culturais e com o crescimento do segmento teatral. "O Mariozinho demonstra diretrizes saudáveis para a comunidade. Tem olhos para o real aproveitamento do Teatro Municipal", disse ele completando que o projeto é uma semente que no futuro poderá colher bons frutos.
A cidade abriga a Fita, evento que repercutiu de forma muito positiva na sua primeira edição, no ano passado. Veníssius já garantiu a participação das oficinas de Mariozinho na edição de outubro e o projeto Teatro de Roda vem na seqüência. "Quem sabe na Fita de 2006 já estaremos participando com a nossa própria companhia de teatro? Ou até mesmo viajando com os nossos espetáculos?" - idealizou Veníssius.
É uma experiência interessante. Depende do público diretamente para funcionar. Se a platéia é pouca e é preguiçosa, gosta mais de olhar do que agir, o resultado é pouco intenso, ingênuo, frágil. É o teatro de participação, de introdução ao teatro. Além disso é um sinal de que o teatro pode voltar ao Circo Voador. E voltar como sempre, causando uma certa confusão ao redor. Após longo inverno de palco, a lona que nasceu no Arpoador e migrou para a Lapa está honrando suas origens e propondo programas teatrais: bem vindos sejam. É preciso tomar cuidado no entanto com a fúria sindical. O Circo está iniciando um contato com a escola, com a área da educação, porque, no mínimo, está formando público. Daqui há pouco, os que forem seduzidos pela proposta podem pensar em ingressar no mercado profissional e estará armada a confusão. É realmente gozado, mas se a pessoa passar a vida fazendo teatro no Circo Voador, como espectadora ou como integrante do teatro de participação, jamais chegará a ser aceita no Sindicato dos Artistas. A loucura burocrática chegou a um ponto tal, hoje, que quem gera os direitos do trabalho, do exercício de uma profissão, efetivo, não é o próprio exercício, mas exclusivamente a escola. Em diversas áreas sindicais. Então um sujeito pode ter nascido um Talma ou um João Caetano, dispersar suas energias cegamente nos acasos da vida e um dia de repente descobrir no Circo que é ator e ser aclamado enquanto tal. Não basta. Vai ter que se entender com os bancos escolares.
Bem, isso seria uma exceção, é claro. A proposta não é formar artistas, nem mergulhar sem freio em requintados meandros estéticos já proclamados, mas sim provocar a vivência da arte, do mecanismo de representação, em todos os presentes. Caso as pessoas queiram, é verdade, ninguém é obrigado a entrar na roda ou ir para a berlinda.
A base do trabalho é a brincadeira de roda que as meninas adoram desde sempre. O tema é a situação social da mulher no Brasil. O roteiro segue a história de uma menina, da casa dos pais ao casamento e ao desquite. E todos os sub-temas imediatos estão presentes. Carinho familiar, relacionamento dos pais, relacionamento com as outras crianças e com o mundo, a puberdade, a vida sexual, a paquera, o namoro, sexo e casamento, o desquite. O público pode, com a sua participação, até mudar o roteiro. Os princípios gerais do trabalho são vizinhos daqueles fixados pelo Teatro do Oprimido de Augusto Boal e pelo Tá Na Rua de Amir Haddad, ou até pelo Oficina-Uzyna-Uzona de José Celso Martinez Correa. Seu núcleo é a crença no valor de terapia social da arte, aquela história de que, burilando as sensibilidades, a arte melhora as pessoas e faz da vida uma coisa melhor. O segredo das escolas de samba. O teatro de roda da jovem Cia. Aérea de Teatro, nascida e criada no Circo Voador, em 1985, está sugerindo uma modalidade de jogo teatral que poderá ser empregado com sucesso, em qualquer assunto, para que nossos bancos escolares, como na Idade Média, ao menos exercitem com eficiência o jogo verbal de seus ocupantes. O que é bom para as escolas é bom para a democracia.
Há cinco anos a denominação teatro alternativo pretendia definir, mais que uma forma de produção teatral, uma opção de criação.
Mas se a sobrevivência está difícil para todos, por que não buscar a originalidade num mercado que tende a se padronizar? Os grupos (ou elencos) alternativos, ainda que muito incipientemente estão arranhando essa constatação óbvia.
Há pelo menos duas tendências bem marcadas entre os alternativos: a de reencontrar a pesquisa teatral e a do comercialismo sem limites. Alguns grupos estão seriamente empenhados em descobrir formas diferentes de linguagem teatral, capazes de atraírem o público e de contribuírem com a renovação de estilo, de elenco e de repertório. Talvez o espetáculo mais representativo desta tendência atualmente em cena no Rio seja Labirinto - A que causa dedicar a vida?, criação coletiva da Tribo Troupe Cooperativa de Palhaços que pode ser visto no Teatro da CEU. A idéia do grupo é a de fazer com que o espectador não seja um elemento passivo, um mero observador do fato teatral. Investido do papel de ator, o público penetra num labirinto dentro do qual lhe são propostas várias situações que são debatidas com os atores. Nesse jogo lúdico-teatral é incentivada uma nova relação entre palco e platéia que avança uma pesquisa tão em voga no teatro experimental em todo o mundo.
Num momento em que a busca da inovação só se manifesta muito esporadicamente no nosso teatro, qualquer tentativa com sabor do pouco habitual torna-se bem-vinda. É o caso de Labirinto. A que causa dedicar a vida?, que introduz no Rio um tipo de experiências ambientais que a vanguarda européia andou explorando com insistência no fim dos anos 60 e no início da década passada. A idéia-base de Labirinto é, por exemplo, quase idêntica à de um famoso espetáculo do italiano Luca Ronconi, XX, lançado no Festival do Teatro das Nações em Paris em 1971.
Esta idéia-base consiste em colocar o visitante em espaços e situações especialmente criados de tal modo que ele não se sinta um passivo espectador de uma representação, mas um individuo inopinadamente colocado pelo destino diante de pressões e desafios que exigem dele tomadas de posição, escolhas de uma entre várias alternativas, definições de pontos-de-vista. No caso, os espectadores são introduzidos em grupo de oito - que, porém, se desfazem rapidamente, de modo que o contato com a experiência passa logo a ser individual - num complicado labirinto construído de papelão, cuja travessia se constitui, já em virtude das características sufocantes e insólitas do espaço, numa tarefa que a vítima enfrentará com provável sensação de insegurança, com as suas habituais defesas algo abaladas. No início, o espectador é exposto a um desafio apenas lúdico, sendo solicitado a participar de uma inocente brincadeira, de uma infantil simplicidade. Aos poucos, porém, ele passa a esbarrar em varias e imprevistas situações, cujos detalhes me eximo de descrever, para não estragar a surpresa dos eventuais futuros candidatos, mas que são geralmente extraídas do panorama da violência a que o carioca está rotineiramente exposto no seu cotidiano. Diante dessas situações, o espectador é chamado a reagir a cada passo, quer assumindo o caráter apesar de tudo ficcional da experiência e tentando improvisar um personagem por ele mesmo idealizado como adequado às solicitações da respectiva situação, quer transpondo-se para o plano da realidade e dando as respostas que daria se estivesse participando de uma situação semelhante na vida real. Uma avaliação critica de uma experiência como esta é muito problemática, já que cada espectador assiste, na verdade, a uma realização diferente da que é assistida por todos os outros, pois seu desenrolar depende decisivamente das suas próprias reações, e das dos seus companheiros de grupo. De saída, para dissipar possíveis receios dos mais tímidos, cabe dizer que não existe risco de situações de constrangimento, pois a Tribo Trupe Cooperativa de Palhaços trata as suas vítimas com respeito, calculando adequadamente as doses de aflição e insegurança inerente á natureza da proposta, mas sem abusar de posição de autoridade em que os atores se encontram em relação aos desprevenidos visitantes do labirinto. O trabalho foi preparado com visível cuidado, a começar pela inventiva ambientação cenográfica de Leila Cardia, e culminando com a segurança e desenvoltura de improvisação com que os atores respondem às diversas reações dos seus visitantes. Pelo menos nas situações que enfrentei, quer sozinho ou junto com outros companheiros de travessia, pareceu-me que os intérpretes estão preparados para dominar convenientemente as suas respectivas situações, qualquer que seja a resposta que encontrarem.
A experiência é curiosa, mas pareceu-me insuficientemente amadurecida e definida, e portanto fica mais na superfície do que seria de se esperar, considerando os seus enunciados teóricos. Em momento algum consegui avaliar qual é a parte efetiva de mera brincadeira e qual a parte de uma vivência mais profunda que a equipe pretende extrair do trabalho; e em momento algum senti-me suficientemente pressionado para motivar-me a discutir as situações propostas; sendo que algumas delas foram, na minha passagem, resolvidas tão apressadamente que pareciam não passar de esboços. Toda a travessia do labirinto é, aliás, muito apressada em relação às reações que se pretende extrair dela; e é desproporcionalmente curta em comparação com o tempo de espera durante o qual o espectador, enquanto aguarda a sua vez de ser admitido no labirinto, é distraído por dois palhaços simpáticos e não desprovidos de graça, mas cujo trabalho, pela própria natureza, não passa de uma laboriosa encheção de lingüiça.
Teatro de Roda, de Mariozinho Telles. Rio de Janeiro.
Em matéria de proposta teatral original e anti-convencional, "Labirinto: A que causa dedicar a vida?", uma apresentação da Tribo Trupe Cooperativa de Palhaços no Teatro da Casa do Estudante Universitário -somente nos fins de semana- certamente leva a palma da atual temporada carioca. Em todos os sentidos, as intenções do grupo fogem as tradicionais regras estabelecidas na relação entre espectadores e intérpretes. A começar pelo horário -que não é rígido. Começa quando o público chega. E, até forma um grupo de oito espectadores -o público entra de oito em oito- ele é entretido por dois palhaços que, entre uma e outra piada, já dão algumas dicas do que acontece "lá dentro", embora sem oferecer maiores detalhes - "para não tirar a graça".
Realmente não seria o caso de, aqui, narrar o que ocorre - senão, muito do fator surpresa de que vive "A que causa dedicar a vida?" seria esvaziado. Basta que seja dito que, nas dependências da Casa do Estudante Universitário, foi construído, com paredes de papelão, um verdadeiro labirinto cênico em que o espectador é lançado e no qual, o imprevisto - e, as vezes, o impossível - acontecem. como num parque de diversões, o espectador vai passando por diversos compartimentos em que se vê na situação de sair de sua condição passiva para atuar, como parte integrante, da ação que está acorrendo em cada compartimento. Estamos, pois, sob o signo do improviso, na medida que a reação de cada espectador caberá uma outra reação - diferente - do ator. Numa medida de 40 minutos, o espectador/ator percorre todo o labirinto, em que, de uma forma ou de outra, as vezes até sem que ele perceba, temas como a competição, o poder, a fé religiosa ou a burocracia são levantados. O rendimento da proposta é, portanto, sempre desigual, pois seus frutos dependem muito da predisposição do espectador para tal tipo de empreitada e da capacidade de improviso e tarimba dos intérpretes. Estes mostram-se, no entanto, igualmente desiguais. Enquanto uns demonstram absoluto domínio sobre a função que lhes foi atribuída - seja ela de preso ou delegado - outros mostram-se ainda um pouco vedes para cumprir tão difícil tarefa como criar, em cima da hora, falas não preestabelecidas.
Nota-se, claramente, influência do Teatro do Oprimido de Augusto Boal nas raízes do "Labirinto". Mas, enquanto a proposta de Boal ia além da teatral e chegava a beirar o terreno da pedagogia, a de "Labirinto", com sua ênfase no aspecto lúdico da atividade teatral, vai somente as raias de um "trem-fantasma" com ligeiras implicações sociais. A pergunta colocada no título, por exemplo, ("A que causa dedicar a vida?") não é, afinal, desdobrada no decorrer do "Labirinto". O espectador acaba saindo dele sem se questionar muito sobre a vida ou a realidade que o cerca, deixando a Casa do Estudante Universitário com a impressão de ter participado de um insólito - porém simpático - parque de diversões. E, portanto, aconselhável ao espectador mal-humorado passar ao largo das brincadeiras desta Trupe de Palhaços.
Strip-Tease, antes de tudo, é um espetáculo pungente, eficaz e de muita atualidade, onde com rara inteligência o grupo Corpo Presente recriou a obra de Mrozeck dando-lhe uma perspectiva bem brasileira, onde as situações criadas são um retrato do dia-a-dia do brasileiro classe-média. Ao sairmos do teatro sentimos toda a inércia de nossas vidas, que como a dos dois cavaleiros da peça, são marcadas pelo medo de não ver, não ouvir e não enxergar.
Em Strip-Tease é desvendado o absurdo da vida dos povos dos países subdesenvolvidos, onde olhos estrangeiros gananciosos vivem a sugar o sangue destes povos, quase sempre subjugado a um governo ditatorial.
Usando uma linguagem circense, o grupo soube dosar com grande criatividade o lado sério e cômico do espetáculo e no seu desenrolar muita gente fica incomodada, pois o clima de cumplicidade criado pelo grupo nos coloca frente a nossa própria inércia. No início de tudo é alegre e festa.
Porém, com os acontecimentos, esta festa e alegria vão-se esvaindo, e a coisa vai ficando muito séria, chegando ao ponto da platéia rir de uma maneira pesada, pois o riso assume uma forma apavorante onde tomamos consciência que estamos em frente a um grande abismo.
Dois cavaleiros classe média que já não passam de robôs, ligados ao consumo, vão todo os dias ao trabalho. Daí passam a acreditar que existem certas opções para suas vidas, pois de tudo o que tinham planejado, quando jovens, nada foi concretizado. Um pensa que a verdadeira liberdade é a interior, onde o homem consegue um equilíbrio espiritual e religioso. Porém o outro acha que a liberdade tem que ser externa mesmo, e a luta deve ser conduzida de forma política e contra o governo ditatorial a que ambos estão subjugados. Porém a todo o gesto de rebeldia vem uma mão e tira-lhes uma peça de roupa, começando pelos sapatos, e daí a pouco os deixa sem calças, indefesos e ridículos, e quando o círculo se torna asfixiante, eles já são apenas zeros que a mão despojou dos derradeiros vestígios de individualidade.
A montagem do Corpo Presente é despojada e muito criativa. Cada gesto cada palavra e cada símbolo estão intimamente ligados a nossa realidade, onde a falta de comunicação entre as pessoas se torna uma constante. Uma das propostas do grupo é a de encontrar um verdadeiro caminho para o teatro brasileiro, e não trabalhar em cima de nenhuma ideologia pré-concebida: basta de colonização! - diz Mário diretor do espetáculo - nós temos que estudar todas as correntes culturais que nos foram impostas daí descobrirmos nossa verdadeira linguagem. É preciso, também, acabar com a concorrência desenfreada no teatro, pois ela só trará conseqüências negativas, como por exemplo, sua elitização. Nenhum recurso técnico foi usado na montagem, e as interpretações de Leila Cardia, Mário Telles Filho, Cion Campos e Lúcia Vasconcelos se sustentam nas grandes qualidades de cada um, e Mário manipulando com firmeza a linguagem teatral, nos mostrou que o ponto alto de qualquer espetáculo é a interpretação.
Teatro Labirinto, de Mariozinho Telles. Rio de Janeiro
Strip-Tease, de Slawomir Mrozek;
Direção de Mário Telles Filho.
Elenco: Leila Cardia, Cion de Campos, Olney de Abreu.
Teatro Ruth Escobar, Sala de Meio, São Paulo.
Mais uma boa surpresa nos é oferecida pelo teatro experimental, através de uma leitura inteiramente criativa do Strip-tease, de Mrozek, que um grupo carioca trouxe a São Paulo, sob a direção de Mário Telles Filho. De uma simples metáfora sobre o medo, escrita em forma cerebral, o diretor realiza um espetáculo descontraído e jovem, pleno de achados cênicos em que a duplicidade de intenções se torna patente, tocando fundo as consciências por acaso existentes na platéia. A escolha da pantomima como apoio das falas enriqueceu a montagem, de tal modo que saímos do teatro sem poder dissociar o texto da forma de expressão adotada.
Num tempo de meias palavras, de textos proibidos e de um teatro nacional à beira da falência, conseguir dizer alguma coisa sobre o contexto com uma peça estrangeira é proeza muito grande, que deve ser vista e estimulada. Assim, é notável a transformação que o espectador começa a sentir, à medida que o espetáculo avança e a aparente comicidade se vai tornando algo incômodo e inquietante, até provocar nele um evidente mal-estar. A partir de quando a brincadeira vira um jogo perigoso, ele não sabe explicar. Sabe, sim, que de repente a alegria assume a forma apavorante do medo e o riso dos personagens se amolda com perfeição na mascara do ríctos. E tudo, a partir de então, é ameaçador, a tensão passa a ser a tônica dessa mostra cheia de símbolos, onde o bom teatro se renova, longe das convenções e dos modismos.
Trabalho exemplar como concepção e mise-en-scène, merece os elogios colhidos em sua carreira carioca, assim como os que certamente virão de sua temporada paulista.
C.E.G.
Strip Tease, de Slawomir Mrozek. Brasília.
Finalmente, alguma coisa de fato entusiasmante em meio ás raquíticas estréias deste ano: "Strip-tease em alto mar", de Mrozek, numa criação de Corpo Presente. O que Mário Telles Filho (também diretor), Leila Cardia, Lúcia Vasconcelos e Cion de Campos nos mostra na sala desconfortável da Casa do Estudante Universitário, vale mais -nos seus 50 minutos- que horas e horas de discursos pseudamente teatrais. Sem fanfarras ou cores, sem divulgação, criando seu cenário pobre mas rico, aproveitando seus figurinos, transmutando-se em maquinistas, bilheteiros, fazendo de tudo, eles nos presenteiam com a sua coerência, a sua seriedade, o seu humor e o seu talento.
São atores desconhecidos do público que têm uma impressionante segurança em pempo, marcas, inflexões, capacidade de distanciamento crítico (Leila e Lúcia,A e B); são gente apenas saída da Escola de Teatro mostrando perfeita noção do significado do trabalho em grupo, sem vaidades, quase humildes. O resultado de tudo isso acaba sendo uma montagem que deveria ruborizar, nos seus detalhes e no seu conjunto, um número infindável de profissionais. Há amor, há garra, há vida, há vibração em cada instante do espetáculo. A peça de Mrozek é leveda às últimas conseqüências, cresce, se desdobra em implicações e leituras duras mas nossas, reais.
O Corpo Presente, coerente no seu descomprometimento, ousou violar Mrozek, ousou desvairá-lo, sempre que preciso. Ousou fazer de cada frase, de cada palavra, quase, uma mensagem única e vital, expressa pela ação apropriada. A fala e o corpo dos atores nos dão dois textos simultâneos um completando o outro. É possível que parte do público não apreenda por inteiro as sugestões totais do espetáculo. Mas os signos e os símbolos foram devidamente "amarados": impossível apreender um significado equivocado ou confundir a leitura na montagem
O texto de "Strip-tease" propõe uma discussão sobre a liberdade. Dois funcionários -A e B- seguem sua rotina diária, pastas na mão indo e vindo do trabalho. De repente, essa rotina é interrompida pelo aparecimento de uma mão autoritária, que começa a fazer exigências. A defende sua "liberdade interior"a qualquer preço - ou seja: dispõe-se a curvar-se à mão, alegando que contrariá-la equivaleria a fazer uma escolha. E, fazendo-a, limitaria obrigatoriamente sua "liberdade interior" em busca de uma "liberdade exterior" que dificilmente conseguiria. B se diz pouco imaginativo - "jamais seria capaz de inventar, como você, uma historia dessas, sobre liberdade interior e exterior." - e, sem qualquer noção da atitude que deveria tomar, lança-se numa contestação desesperada, inócua e suicida. A seu modo, cada um procura um caminho mais inútil. Do samba ao rock, da ioga ao fumo, do discurso contestatório à submissão.
É um texto curto e incisivo quase estéril. Necessita, na realidade, de uma montagem que amplie seu sentido, seu raio de ação. E isso a direção de Mário Telles soube fazer. Leila Cardia e Lúcia Vasconcelos são ótimas atrizes aparecendo. Cion de Campos e Marcos, com papéis menores, cumprem à risca suas funções. Se uma produção mais rica poderia talvez valorizar alguns detalhes do espetáculo (como a eficácia da mão em termos de simbologia opressora), isso é de menor importância. Principalmente porque, apoiados numa produção mais bri"brilhante", talvez os jovens do Corpo Presente acabassem envolvidos num turbilhão onde seu despojamento e sua coerência talvez fossem sacrificados em função do número de ingressos na bilheteria.
Decididamente, vale à pena ir à Casa do Estudante universitário assistir ao espetáculo. Embora o ideal fosse poder mostrá-lo num teatro como o Cacilda Becker.
Tania Pacheco
Strip Tease, de Slawomir Mrozek. São Paulo.
O teatro para Mrozek nada mais é do que a interpretação mordaz do confronto humano submetido a um estado de violência social. Strip-Tease, peça curta do autor polonês, exemplifica esta característica de sua dramaturgia. Como excelente fabulador, Mrozek conta, com a sua habitual limpidez de raciocínio, a história de dois indivíduos diante do poder discricionário e cego na sua insaciável necessidade de se perpetuar. essa insaciabilidade é servida, em parte, pela carne fresca dos que se oferecem, em inútil holocausto, a engordar com a sua covardia o coral dos contentes. A acuidade de Mrozek está, justamente, na percepção dos mecanismos humanos que fazem com que os indivíduos entreguem as suas melhores potencialidades a causas inúteis, afogados pelo medo ou atrelados às vãs filosofias com as quais se enganam numa ilusória procura da paz interior. O grupo Corpo Presente percebeu a riqueza do material fornecido por Mrozek e a partir desta fábula contemporânea criou, com novos elementos, frases, referências e situações aproximativas à experiência coletiva dos espectadores. Os acréscimos, sem desmontar a estrutura básica da peça, enriqueceram o cartesiano raciocínio do autor, conferindo-lhe uma agilidade e matreirice brasileiríssima. E as características que o diretor Mário Telles Filho deu ao espetáculo acentuou, positivamente, essa brasilidade. Adotou o estilo da pantomima, no qual o aspecto fabulesco se contrapõe a momentos de exposição direta (e sem teatralidade) de uma idéia, reforçando assim algumas cenas cruciais do espetáculo.
As atuações de Leila Cardia e Mário Telles Filho, coadjuvados por Cion de Campos e Lúcia Vasconcelos, se sustentam na linha da pantomima, e cada gesto reflete uma profunda pesquisa ao nivel do movimento e do sentido das palavras emitidas. As interpretações estão carregadas de impagável e dolorosa ironia.
Influenciado pelo grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (da fase O Inspetor Geral e Ubu Rei) o Corpo Presente encaminha, no entanto, sua pesquisa teatral para outros rumos, menos comprometidos com a reflexão sobre problemas da juventude, e mais interessados na ação (ou inação) desse jovem no seu universo social. Nos exíguos 45 minutos de Strip-Tease, o público é posto diante de seu próprio medo e impotência, transfigurando-os nos palhaços que vêem no palco, reflexos grotescos de si mesmo.
Macksen Luiz
Um novo grupo não empresarial, o Corpo Presente, fará a sua estréia dia 28, numa nova sala da Casa do Estudante Universitário, com duas das primeiras peças de Slawomir Mrozek, Strip-tease e Em Alto mar, reunidas sob o título geral Strip-tease em Alto Mar. Mário Telles Filho faz o seu début como diretor e cenógrafo, trabalhando com os atores Leila Cardia, Lúcia Vasconcelos e Cion de Campos.
Yan Michalski